CIÚMES
A doença que destrói...
Por Maíra Termero
O ciúme é a pimenta de um relacionamento?
Nada disso. Para o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, ciúme é como a dor. Pode ser normal, mas indica que alguma coisa está errada. Supervisor do Serviço de Psicoterapia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), Ferreira-Santos relançou recentemente Ciúme - O Lado Amargo do Amor (Editora Ágora), um guia prático para lidar com o sentimento. Ele falou à CRIATIVA
O senhor é contra dizer que ele apimenta a relação? Sou, porque, na verdade, o que tempera a relação é o zelo. E zelo não é ciúme, é ter cuidado com o outro, querer o bem. Se o parceiro recebe uma bolsa para estudar na Europa, por exemplo, eu posso ficar triste, mas apóio porque é para o engrandecimento do outro. Já o ciúme é egoísta. O outro ir para a Europa é ruim para mim, quero saber o que posso perder com isso.
Mas um pouco de ciúme não é normal? Se perguntar se é normal sentir dor, é. Mas ela sempre indica que há alguma coisa errada. Pode ser a real, que vem de uma batida. Ou uma dor de cabeça, que indica que há algo errado no órgão. Ou posso ter uma dor imaginária, que não tem causa. O ciúme também tem essas categorias. E todo ciumento sofre, em qualquer uma delas.
Como é uma situação de ciúme com causa? É o flagrante? Não. É normal que, na presença de uma ameaça ao meu amor próprio, eu me sinta enciumado. Se estou com a minha parceira em um lugar onde está o (Reynaldo) Gianecchini, como já aconteceu comigo, é claro que ela vai demonstrar interesse, mesmo que não queira levá-lo para casa. Naquela competição, eu, com meus 55 anos, quase careca, barrigudo, perco.
E como o ciumento expressa esse sentimento? Todos dão escândalo? Depende de características da personalidade. Normalmente eu vou conversar, fazer uma brincadeira. Falo para minha mulher ir com o ator – e levar as contas, as crianças, o pacote completo. Mas esse medo de perder é maior em pessoas mais inseguras, que precisam do outro.
E precisam mesmo? Isso é bobagem. Ninguém precisa de ninguém. Mas procuramos preencher nossas lacunas de personalidade com o outro e dizemos “você é minha vida”. Na verdade, a expressão deveria ser “você está na minha vida, você dá mais vida à minha vida”.
Quando o ciúme deixa de ser normal? Quando o ciumento vive em função disso. É o eterno desconfiado. Se o parceiro atrasa, ele já acha que está com outro. Ouvi mulheres dizendo que preferiam o marido morto que no motel com outra. Isso é amor? Isso é um seqüestro. O ciumento mantém o outro em um cativeiro virtual que o impede de progredir na vida.
E esse ciumento em tempo integral se expressa como? Existem vários tipos. Há os fóbicos, que tentam impedir que o outro faça qualquer coisa. Não deixam sair, ou querem ir sempre junto. Há o tipo histriônico, que dá show, arma barraco. Tem o paranóide, para quem sempre existe uma segunda intenção. Se a parceira recebeu uma promoção, é porque está “dando” para o chefe.
E o que perde as estribeiras? É o explosivo, conhecido por brigar e bater na mesa, na parede, na parceira. Em casos extremos, mata e, quando se dá conta da besteira, se mata em seguida.
Tem mais? Sim, são vários. Há o tipo deprimido. O que pensa “oh, vida, vou ser traído mesmo, não sou o que você merece”. É um chato. Todo ciumento é chato. Mas o mais sofrido é o obsessivo- compulsivo. É o que contrata um detetive, vasculha celular, liga para os números da agenda do outro. E, como se diz, quem procura acha, porque age de forma opressora. O outro passa mesmo a mentir para evitar a encrenca e a relação se desgasta.
'Quem procura acha,
porque age de forma opressora.
O outro passa mesmo a mentir
para evitar a encrenca e
a relação se desgasta'
E quando o ciúme vira doença? O ciumento é o cara que desconfia. Tanto que coloca o outro sob inquérito para fazê-lo confessar. Já o verdadeiro ciúme patológico tem causas orgânicas, cerebrais, e faz a pessoa ter certeza. É a síndrome de Otelo, nome inspirado na história de Shakespeare. Ele não tem dúvida de que foi traído, mesmo apenas com indícios, ou nem isso. Como é um estado doentio, é o que acaba em tragédia.
E quem faz mais loucuras por ciúme, o homem ou a mulher? O ciúme é mais sexual para o homem e mais afetivo para a mulher. Na hora de reagir, ele parte para a porrada, para a destruição. Ela é escandalosa, faz cena, rasga a roupa...
E como lidar com todos esses ciumentos? Quando uma relação começa, deveria ser feito um contrato. Só que, movida pela paixão, a pessoa se casa sem conhecer o outro. As muito inseguras procuram alguém que lhes dê segurança, e o ciumento é o cara ideal, porque a coloca numa redoma. Parece que cuida, mas sufoca.
E como se livrar dessa situação? Olhe onde vai amarrar seu burro. A mulher tende a achar que vai mudar o homem. Ele muda, só que geralmente para pior.
Mas e se já se casou? Uma possibilidade é se anular. Largar os amigos, o lazer e manter a relação. Agir como uma criança de 3 anos que pensa que o mundo gira em torno de si e tem baixo limiar de frustração. A outra possibilidade é tentar reverter a situação. Perguntar “por que eu estaria com outro?”. Ele pode se sentir acuado e aceitar o diálogo. Aproveite para mostrar que ele está jogando a relação fora.
Por que você decidiu falar do ciúme? Montei grupos de terapia breve sobre casamento, em que o tema ciúme sempre aparecia. E trabalhei com vítimas de crimes passionais, em que ele é o principal mote. Vi que interessava e decidi falar do ciúme, cotidiano, que não necessariamente termina em morte, mas que incomoda e atrapalha de verdade a relação.
Fonte:
http://revistacriativa.globo.com/Criativa/0,19125,ETT1670453-5458,00.html
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